COLAPSO TRAQUEAL EM CÃO: Inovação em tratamento cirúrgico

SURGERY IN DOGS WITH TRACHEAL COLLAPSE



DVM, Msc, Dr. Luciano Schneider da Silva - CRMV/GO - 2765




    A traqueia é um importante órgão do sistema respiratório, órgão tubular e flexível, que se inicia na laringe e se estende pelo plano mediano até a sua bifurcação (carina da traqueia) em brônquios principais esquerdo e direito, na base do coração, na altura do quarto a sexto espaço intercostal. O órgão é composto por uma série de anéis de cartilagem hialina (entre 42 a 46 anéis no cão) em forma de ferradura, que são conectados entre si por tecido fibroelástico (ligamentos anulares). A porção dorsal dos anéis é incompleta, sendo preenchida pela membrana traqueal dorsal, formada por músculo liso e tecido conjuntivo. Histologicamente, a traqueia é composta por quatro camadas: mucosa, submucosa, musculocartilaginosa e adventícia. Em animais com colapso de traqueia, acredita-se que o comprometimento da cartilagem hialina do anel é o grande responsável pelo desenvolvimento da patologia, tornando fundamental o entendimento da composição molecular desta estrutura. Esta é um tecido conjuntivo avascular e aneural, formada por abundante matriz extracelular, condrócitos e pericôndrio.




    O colapso de traqueia é o estreitamento do lúmen traqueal (parte interna), afetando significativamente a respiração do animal. Tipicamente, a principal queixa do tutor do animal é uma tosse seca que vem se agravando ao longo do tempo, sendo mais intensa no momento de excitação. Alguns animais podem apresentar quadro intermitente, com pioras e melhoras. As alterações morfológicas do anel de cartilagem hialina não consegue mais manter a patência da traqueia durante as oscilações de pressão que ocorrem no ciclo respiratório, ocasionando colapso dinâmico. Durante a inspiração, a pressão negativa gerada pela expansão da caixa torácica resulta no colapso dorsoventral da membrana traqueal dorsal no segmento cervical da traqueia. Na expiração e na tosse, o aumento da pressão intratorácica resulta no colapso do segmento torácico e, em alguns casos, dos brônquios principais. Alguns pacientes podem manifestar episódio de vômito ou expectoração após as crises.
  O colapso traqueal ocasiona alterações inflamatórias no epitélio, como exsudato mucopurulento, metaplasia epitelial e hiperplasia e hipertrofia de glândulas mucosas, além de comprometimento do sistema mucociliar. As principais consequências clínicas são a obstrução dinâmica ao fluxo de ar, que pode ocasionar dispneia, cianose e síncope, e a tosse crônica e não produtiva. No exame físico, em geral, não se observam alterações importantes, exceto naqueles animais gravemente enfermos. Nestes, pode-se observar estertor respiratório, dispneia, taquipnéia, ortopnéia, mucosas cianóticas e síncope.
   Dentre as alterações histológicas observadas no anel dos animais doentes, a substituição do tecido cartilaginoso por tecido conjuntivo fibroso, células adiposas e invasão vascular foi, juntamente com a diminuição do número de condrócitos, a mais comum. Este tipo de lesão representa uma tentativa de reparação tecidual. A cartilagem lesada tem uma baixa capacidade de regeneração e quando uma agressão com perda tecidual ocorre, a produção de nova cartilagem ocorre a partir do pericôndrio, que invadirá a área destruída e produzirá nova cartilagem. Contudo, quando a área destruída é relativamente extensa, o pericôndrio forma uma cicatriz de tecido conjuntivo, conforme observado frequentemente no grupo dos cães portadores de colapso traqueal. A avaliação da cartilagem por microscopia eletrônica demonstrou que a matriz intersticial dos animais doentes perde sua homogeneidade, apresentando-se porosa e com fissuras, além de apresentar fibras colágenas dispostas de maneira aleatória. Ocorre diminuição do número de lacunas e de condrócitos, presença de massas de tecido conjuntivo na cartilagem e presença de invasão vascular nas áreas de lesão. A superfície dos condrócitos encontra-se fragmentada, sugerindo desintegração celular para determinar a composição do colágeno, importante componente da matriz intersticial. Alguns pesquisadores sugerem que os defeitos podem ter origem em anormalidades intracelulares, em organelas envolvidas na síntese dos componentes da matriz extracelular, como o retículo endoplasmático rugoso e complexo de Golgi.
   As técnicas de imagem descritas no diagnóstico do colapso traqueal incluem o exame radiográfico digital, fluoroscópico e traqueoscópico. A técnica adequada para estudo radiográfico da traqueia é a laterolateral. A imagem radiográfica é caracterizada pela diminuição do lúmen traqueal no sentido dorsoventral. É recomendada a obtenção de uma projeção em inspiração e outra em expiração, pois devido ao caráter dinâmico da moléstia, podem ocorrer resultados falso-negativos. A traqueoscopia é o exame considerado “padrão ouro” no diagnóstico do colapso traqueal. Ela permite a direta visualização do lúmen da via aérea, determinando a gravidade do achatamento do anel cartilaginoso, observação das alterações dinâmicas do lúmen, extensão o aspecto morfológico da mucosa respiratória e a classificação do grau da lesão traqueal.

  O tratamento clínico dos animais com manifestação clínica de colapso traqueal é paliativo, direcionado ao controle dos sinais clínicos decorrentes da doença. Não há trabalhos que provem que o uso de medicações comprovadamente melhora o metabolismo da cartilagem, e os animais sempre correm o risco de desenvolver crises. Na maioria dos animais (cerca de 70%), é possível manter controle sintomático da doença por períodos prolongados. Os corticosteroides são utilizados com o intuito de diminuir a inflamação traqueal decorrente do colapso repetido da via aérea.  Os bronco dilatadores, apesar de não possuírem qualquer efeito sobre a patência traqueal, melhoram o fluxo respiratório, e são benéficos naqueles pacientes com manifestação de dispneia. Utilizam-se medicações da classe dos agonistas beta2- adrenérgicos ou metilxantínicos. Estes últimos favorecem a depuração mucociliar e previnem a fadiga diafragmática. Cuidados especiais devem ser observados em pacientes cardiopatas, e a dosagem e tempo de terapia devem ser ajustados individualmente para cada paciente. Os antitussígenos podem ser administrados nos pacientes com manifestação de tosse crônica para dar conforto ao paciente e diminuir o ciclo vicioso de tosse-lesão tosse. As opções terapêuticas incluem agentes narcóticos e não narcóticos. Alguns trabalhos descreveram a utilização de sulfato de condroitina em paciente com colapso de traqueia, relatando amenização dos sinais clínicos.
Como tratamento cirúrgico as próteses extra luminais são confeccionadas em forma de espiral (mesmo formato do anel traqueal). Com o animal em decúbito dorsal, a incisão é realizada da região da laringe até o manúbrio. O tecido local é dissecado gentilmente e expõe-se a traqueia, colocando-se a prótese ao redor da mesma. Muito cuidado deve ser tomado para não traumatizar o nervo laríngeo recorrente e não colocá-lo entre a prótese e a traqueia. A prótese é fixada com fio de polipropileno com pontos simples separados através dos anéis traqueais e membrana traqueal dorsal. A porção cranial da traqueia torácica pode ser acessada realizando-se tração cranial da traqueia cervical. A melhora após o procedimento cirúrgico especializado é significativa, principalmente quando se utiliza próteses com materiais maleáveis e de baixa densidade.
Imagem radiográfica de 2 pacientes com estreitamento do lúmem traqueal (colapso de traqueia)



A esquerda imagem  da traqueia com segmento colapsado. A direita imagem da prótese extra traqueal implantada.













Imagem radiográfica de dois pacientes após o implante da prótese extratraqueal (restabelecimento do diâmetro do lúmem traqueal).


    Atualmente existe no mercado uma prótese cirúrgica de material superelástico, a base de nitinol e formato de espiral (hélice). O Nitinol  é um dos materiais mais utilizado para implantes cirúrgicos e ortopédicos. Três fatores são fundamentais para a sua utilização: Biocompatibilidade, superelasticidade e composição química que atende a norma ASTM F2063. Um implante para o colapso traqueal, desenvolvido em material biocompatível, fornece maior segurança e conforto para o paciente.


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